domingo, dezembro 30

corrida perigosa

[reavaliando privilégios em 140 caracteres]

como é difícil ser mina

ter que correr
na luz do dia
      na multidão
de indivíduo
que mata 
      feminicídio
holofote sombreia 
a natureza
       selvajaria 

[calçar o tênis
na luz do dia
também é "deixa"]

o dicionário

privilégio é 
       substantivo 
                comum 
                     masculino
                    em vantagem
                tem direito
           é aforado
 patriarcado

serestar

como ser tudo
que sou
se ainda
nem sei
ser
o que um dia
serei

[pessoal] balanço de 2018

Comunicação. Juntando letras e formando sílabas Sem nexo, coerência ou referência. Como uma criança que aprende as primeiras palavras. A gente não entende bem o que se quer dizer e no fim, tudo fica explícito pelo olhar, pelo tato, pelo gesto. Doze meses se resumiram a quatro. Durante oito meses eu achei mesmo que entendia o que era viver, o que era ser, o que era sentir e o que era amar. E me bastaram 120 dias pra me mostrar que eu não sei nadar. Durante tanto tempo eu uni sílabas para falar sobre um mar sem significado. A cada monossílabo pronunciado, me voltava um verso decassílabo. Me cercando, aparando arestas e me invadindo. Estive presa por minha maior arma: a voz. O processo para reconhecer nosso timbre é intenso, cansativo e duvidoso. Porque para poder falar é preciso ouvir muito. Nem tudo que se ouve é verossímil. Nem tudo que se reproduz é de direito. Nem tudo que se pensa é opinião. Quatro meses na sala de aula que é a vida me encantaram no auge dos meus vinte e quatro. O que sou é o agora com a simples certeza que todo dia o sol nasce, todo dia tem uma oportunidade de ser voz, ouvido, afago, abraço. Não precisa ser a voz que a sociedade ecoa. Essa aula é sobre ser uma voz singular que ocupa um espaço coletivo. 

Voz que fala de amor, de perdão, de força, autocuidado e tantas coisas que são antagônicas ao que o barulho da cidade nos permite ouvir. 

É ser uma voz ativa até que esse som una a mão de duas nas ruas, nos becos, nos cafés. A voz não pode ser privilégio. É fisiologia humana ter visão da perspectiva de um futuro justo, audição para respeitar o local de fala, tato seguro com afeto, olfato para se sentir em casa e paladar para se lambuzar com o que se quer.


a voz dá medo 
mas é alternativa
em situação de perigo
tira da periferia e põe 
no centro
da vida 
[ os carros da cidade
dizem que tudo é
passageiro]

beijo de beijo

a tua pele tem relevo
é desejo

teus lábios de tão beijados
são encharcados

beijo de boca
beijo de mão
beijo de cheiro
 m o l h a d o

  vendo amor

onde não existe


esquinas
      bares
          calcinhas

corte de laço

 T E S O U R I N H A S
          não cortam

                 e
                 s
                 c
                 o
                 r
                 r
                 e
                 m

     e entrelaçam almas

sábado, dezembro 29

mulher atemporal

ei, mulher
do teu luto
faz tua luta
do substantivo
se faz o verbo
no pretérito
é imperfeito
no plural
é nossa luta
no coletivo
são nossas vozes