O computador desconectou da
tomada enquanto eu estava lendo um texto ao acaso sobre o choro. Estava bem no
meio da leitura, apenas com olhos de quem ouve. E quando a tela apagou, me dei
conta que não me lembro a última vez que chorei. Eu consigo lembrar a última
coisa que me emocionou, que me deixou triste, que me deixou em êxtase, que me
decepcionou, que me fez sentir medo. Mas nada conseguiu me envolver ao ponto de
transbordar de mim. Nos últimos dois meses me sinto afogada porque não sei mais
escorrer. Minha garganta é gruta de água cristalina – sons ecoam dentro dela. Em
uma viagem há alguns anos, um nativo me contou que quando chovia era só alegria,
pois só assim era possível contemplar as cachoeiras n’aquele local. Foi um dia
de chuva intensa. Não dava pra sair de bugue pela cidade e muito menos a pé. No
dia seguinte um sol que jurou de pés juntos que por ali nenhuma chuva jamais
passou. Fomos ao encontro das cachoeiras. Não entendi muito bem como fluía tudo
aquilo, era imenso, forte e intenso o que corria - fiquei extremamente
encantada e logo pus-me a ficar embaixo das águas. Nesse lapso de trinta
segundos onde o computador desligou, esse episódio me veio à mente. Como quem
entendeu a importância da chuva. Chover pra ver queda d’agua. Chorar para ser
queda-livre. Bendito ciclo que transforma.
Eu choro. Eu choro tanto que às
vezes sinto que meu peito vai se dilacerar. Eu choro dentro de mim. Eu choro
toda vez que sinto que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir.
Quando eu estudo eu penso que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou
conseguir. Quando eu trabalho eu penso que sou insuficiente, que sou fraca, que
não vou conseguir. Quando penso nos meus amigos – eu paro um pouco – tenho a
convicção de que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir. Que
prefiro desatar laços que nunca existiram porque acho que não tenho pulso para
me dedicar. Penso assim nos estudos. Penso assim no trabalho. Eu choro toda vez
que deito a cabeça no travesseiro e não consigo dormir – noite após noite.
Comecei tomando um comprimido de melatonina, depois dois, depois três e sei que
nenhum é suficiente – porque esse não é remédio para cessar choro. Todo santo
dia chega um momento em que eu consigo boiar dentro de mim. Quando me dou conta,
em poucos instantes já amanheceu. Todo dia santo reforço o pedido pra reparar
os danos dessa enchente.
Eu corro. Eu corro e quando me
dou conta estou pensando em todas as coisas que vou dizer quando estiver na
linha de chegada. Eu quero agradecer pessoas especiais, dizer que em outros
tempos eu diria que foi sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar e
que eu mereço isso que está acontecendo em minha vida. Quando eu penso no meu
termo de posse eu me imagino dizendo que em outros tempos eu diria que foi
sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar e que eu mereço isso que
está acontecendo em minha vida. Quando eu penso em um grande amor eu penso que em
outros tempos eu diria que foi sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar
e que eu mereço isso que está acontecendo em minha vida. Esse é um pensamento
que me acompanha em poucos quilômetros durante a minha rotina. Porque a corrida
chega ao fim e eu percebo que transpirei tão pouco. Não foi o suficiente. Ainda
estou me afogando – socorro.
Eu chego em casa e primeiramente
tomo pego meu celular, e como quem espera algo, olho as redes socias – que já
são poucas porque desativei. É melhor se desconectar do que não se está pronto
para enlaçar. Apenas consumo conteúdo digital. Afeto digital fica cada vez mais
distante. No WhatsApp já não chegam mensagens perguntando como foi o meu dia ou
se preciso de boias. Ninguém sabe mais de mim. Ninguém sabe o quanto corro, o
quanto estudo, o quanto luto, o quanto choro. Não os culpo. É impossível dar um
laço em um sapato que não está aos nossos pés. Os meus pés estão distantes e
calejados. Segundamente, eu coloco alguma música. Essa foi a época em que mais
converso com a música. Ela também não sabe nada de mim e mesmo assim me torno
sua melhor ouvinte. Atenta as descobertas que no fim das contas fazem com que
eu entenda um pouco mais sobre mim. Terceiramente, eu vou para o chuveiro. Lá
eu me olho no espelho e me vejo cada vez menos. Meus olhos presos e encharcados
em um corpo socialmente construído para a satisfação alheia. Cabelos alisado,
descolorido, a busca incessante por uma magreza e o mais importante – pura insatisfação.
Comecei cortando algumas pontas dos cabelos. Tomei coragem e cortei mais da
metade do cabelo. No caminho do salão para minha casa fui a pé e senti o vento dançando
nos meus cabelos – achei engraçado. A reação social eu senti na pele. Fomos
projetados para fazer alguém feliz em alguma parte do mundo. Deixei que meu termômetro
de beleza fosse uma rede social. Perdi metade das minhas curtidas e
comentários. Descobri que só ficou bonito porque meu cabelo é pouco chateado, que
muitas pessoas não teriam coragem, que meu cabelo era lindo antes. E cada vez
eu me olhava, me sentia mais simples e mais eu. Era totalmente contraditório
com o que o mundo me dizia. E quem está errado? Eu, lógico. Senti que eu era insuficiente,
fraca e que nunca iria conseguir. Um
simples corte de cabelo me fez chorar e me afogar um pouco mais.
Tem dias que eu só quero chegar ao
outro lado do continente. O problema é que eu nado, nado, nado e não saio de
mim. Não tem como chegar a lugar nenhum quando o mar é dentro de si. Fora de
mim eu não sei nadar. Preciso de barco e vela para navegar. E embora eu também
seja mar, eu descobri que posso me afogar na imensidão. A ansiedade é a minha imensidão.
Em uma palavra cabem tantas projeções de destino que me deixam estagnada,
sentindo com a força da imensidão que eu sou insuficiente, que sou fraca e que
não vou conseguir. Um substantivo consegue congestionar todas as minhas vias,
minha nascente e minha foz. Um substantivo
tem ação em minha vida. Um sentimento é capaz de me obrigar a ler todos os dias
bons motivos para seguir e não desistir. Eu não esperava escrever esse texto,
eu não sabia nem que eu pensava isso. A única coisa que sei é que a linha é tênue
entre a chuva e a cachoeira.