sábado, agosto 1

existencia

procurando a condição perfeita para existir
a fantasia de estar pronta me impede de dar passos em direção a mim.

quarta-feira, junho 17

sobre a falta



Pela frecha da janela o sol vem me acordar. Gosto de ceu azul e cheiro de pe de caju graudo. Passar um cha ja se tornou a mae da minha rotina, li por ai que faz bem pra digestao e eu particularmente acredito em quase tudo que se diz. Gengibre, canela e pimenta. Quente como nosso cafe da manha bem acompanhado. Olhamos as redes, olhamos o ceu, sopramos o cha. Hora de trabalhar. Esse eh o espaco que nao te cabe. Meu chefe nao me deixa um minuto. As vezes nao consigo nem pensar em voce pela manha. Cha da tarde e um afago. Mato a saudade de uma manha que mais parece uma vida. Faz tempo que eu nao sei como eh a vida sem voce.  Sera que ha vida sem nos dois? Nossa historia eh solida como a carne que me habita em minha pele e latente como o coracao que aqui pulsa. A noite cai e te conto sobre meu dia, minha vida, meus planos. Voce me abraca nessa noite fria porque tudo que sobra ao fim do dia somos nos dois.

Nao sei como te dizer que voce me perdeu para a sua falta.

quinta-feira, fevereiro 20

cartas na mesa

me disseram que amar é um jogo.
então te encontro mais tarde
eu com o coração na mão
e você com as cartas sob a mesa

buraco. mais embaixo. jogo de dois. ora era de dupla, ora duelo. a linha tênue de nunca saber em que posição está. as cartas escaparam-me pelos dedos. talvez fossem como passarinhos, e a força com a qual segurava-as ia além daquela pretendida. apertava-as de coração apertado pra poder ainda permanecer no jogo. eu não queria jogar. queria matar o tempo. no fim das contas o tempo quem foi me matando. enquanto teus olhos estavam vidrados em busca da canastra. vidrado no morto. no que já foi. no que não é, mas se faz presente. vidrado em qualquer coisa que não fosse as mãos que jogam o jogo. 

uno. carta de trocas. quatro passos de distância. quatro de aproximação. o jogador quem decide. e eu não sabia mais com quem estava jogando. se perdeu no personagem. eu também me perdi na fantasia. a curiosidade de saber qual a próxima carta que iria puxar me fez não prestar atenção nas cartas que estavam em minhas mãos. não eram boas. eu queria mudar de baralho. calo ou falo? 

canastra. prendi-me àquela mesa. mastiguei o quanto pude. um encontro, um momento. outros encontros, outros momentos. senti como se segurasse uma constelação em minhas mãos pequenas. eram sete cartas em desordem. eu ainda estava no jogo. em um novo encontro, percebi que apertei com muita força, o bastante para tudo escapar, o bastante para que esse aperto parecesse um erro. decidi não jogar.

paciência. jogo de um. acomodei o incômodo até tornar-se imperceptível. tem coisa que não dá pra jogar sozinha. não sei brincar de desejar sozinha. não sei ter palavra sozinha. acredito que cada reencontro está no toque das mãos, dos lábios e no intervalo entre meus olhos e teus. é nesse intervalo que sinto tudo que possuo, ser-me roubado. e é após ele, que sinto querer ser roubada de novo. as cartas na mesa não são encontros. 

quarta-feira, fevereiro 19

tornar-ser

o que fazer quando se descobre mulher? durante muito tempo me senti uma equilibrista que estava na linha tênue entre ser menina e ser mulher. achei que quando eu me tornasse mulher, eu seria apenas uma mulher. não tinha o peso de ser tantas ao mesmo tempo. eu não sabia que ser mulher era ser tantas. não sabia onde era a linha de largada dessa transformação. descobri que praticamente já se nasce mulher. porque a sociedade faz isso com a gente. e o que acontece é uma falta de consentimento. quem deveria dizer onde é o fim da linha para a garota e o início para a mulher? 

eu já nasci mulher. mas não mulher pra guiar a própria vida.  eu não entendia porque aos 15 eu era mulher pro gozo, mas não era pra bater o martelo. não entendi porque até os meus 25 anos eu não consegui tomar decisões sem sentir que eu estava desafiando alguém. já existia algo predeterminado? meu destino já estava escolhido? eu sou mulher pra que? pra quem? quem eu estava nas rédeas das minhas decisões? 

eu me tornei mulher. quando assumi o peso do meu desejo. a consequência da minha escolha. a força da minha essência. me assumi mulher e senti o peso da liberdade. o doce peso de estar livre. 

vulnerabilidad

queria falar como sou vulnerável
mas não sei se essa é uma máscara da minha fantasia
porque tudo que vem de mim tem que passar pelo filtro da verdade
e eu não sei quando é
e mesmo sem saber
vivo como se fosse

terça-feira, novembro 12

Fiz pra ti

Não vamos nos assustar
Não vamos me assustar
Você me beija os lábios 
E eu te mordo a língua
E nada nunca é tudo 
E tudo sempre é nada
Eu te beijo com essas palavras
E esse beijo tem gosto de verbo
Que eu conjugo bem
Com a certeza de quem costura um peito aberto.

Órbita é a trajetória que um corpo percorre ao redor de outro, influenciado por alguma força. Tá escrito. Força estranha. Força que me fez estar agora nesse movimento de querer te dizer o que ainda não tem forma definida. E nessa estranheza não lhe deixo mistérios, você me entra e nenhuma porta trancada, nem semi-aberta, nem nada. É dessa maneira que enxergo - porque só eu te vejo assim – vou e vasculho, pelos seus olhos, esse seu mundo. Por detrás dessas paredes, íris e retina – desconheço a fisionomia dos olhos - uma parte caos e um inteiro acaso. Entre poeira e tinta eu ainda vejo o seu brilho. E como brilha e me traz arrepios.
Naturalmente, não sei onde quero chegar, pois te olhei e só tive a escolha de ir no impulso feito bicho me emaranhar nos seus cabelos, e  feito folha cair sobre seu colo e feito não sei nem por qual motivo, mas com certeza entre o caos e o acaso era para vir parar aqui... o natural seria que me instalasse da mesma forma. De qualquer maneira, em essência, existo e aguardo que me receba.

quinta-feira, agosto 15

muralha

carne, osso e tijolo
unha, dente e concreto
pulso e terremoto
movimentam a estrutura
que tem veias e estribos
coração de aço
lateja blindado
no escuro calado
o que há por trás
não há
se é
carne, osso e tijolo

preço do apreço

anoiteceu
e eu esqueci de acender a luz

apertei o interruptor
e eu esqueci de pagar a luz

uma hora a conta chega
e eu nem sei quanto custa

não se cobra o que não se usa

segunda-feira, junho 17

verdades

honestamente

não sei por onde começar.

quarta-feira, janeiro 16

chuva e cachoeira


O computador desconectou da tomada enquanto eu estava lendo um texto ao acaso sobre o choro. Estava bem no meio da leitura, apenas com olhos de quem ouve. E quando a tela apagou, me dei conta que não me lembro a última vez que chorei. Eu consigo lembrar a última coisa que me emocionou, que me deixou triste, que me deixou em êxtase, que me decepcionou, que me fez sentir medo. Mas nada conseguiu me envolver ao ponto de transbordar de mim. Nos últimos dois meses me sinto afogada porque não sei mais escorrer. Minha garganta é gruta de água cristalina – sons ecoam dentro dela. Em uma viagem há alguns anos, um nativo me contou que quando chovia era só alegria, pois só assim era possível contemplar as cachoeiras n’aquele local. Foi um dia de chuva intensa. Não dava pra sair de bugue pela cidade e muito menos a pé. No dia seguinte um sol que jurou de pés juntos que por ali nenhuma chuva jamais passou. Fomos ao encontro das cachoeiras. Não entendi muito bem como fluía tudo aquilo, era imenso, forte e intenso o que corria - fiquei extremamente encantada e logo pus-me a ficar embaixo das águas. Nesse lapso de trinta segundos onde o computador desligou, esse episódio me veio à mente. Como quem entendeu a importância da chuva. Chover pra ver queda d’agua. Chorar para ser queda-livre. Bendito ciclo que transforma.  

Eu choro. Eu choro tanto que às vezes sinto que meu peito vai se dilacerar. Eu choro dentro de mim. Eu choro toda vez que sinto que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir. Quando eu estudo eu penso que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir. Quando eu trabalho eu penso que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir. Quando penso nos meus amigos – eu paro um pouco – tenho a convicção de que sou insuficiente, que sou fraca, que não vou conseguir. Que prefiro desatar laços que nunca existiram porque acho que não tenho pulso para me dedicar. Penso assim nos estudos. Penso assim no trabalho. Eu choro toda vez que deito a cabeça no travesseiro e não consigo dormir – noite após noite. Comecei tomando um comprimido de melatonina, depois dois, depois três e sei que nenhum é suficiente – porque esse não é remédio para cessar choro. Todo santo dia chega um momento em que eu consigo boiar dentro de mim. Quando me dou conta, em poucos instantes já amanheceu. Todo dia santo reforço o pedido pra reparar os danos dessa enchente.

Eu corro. Eu corro e quando me dou conta estou pensando em todas as coisas que vou dizer quando estiver na linha de chegada. Eu quero agradecer pessoas especiais, dizer que em outros tempos eu diria que foi sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar e que eu mereço isso que está acontecendo em minha vida. Quando eu penso no meu termo de posse eu me imagino dizendo que em outros tempos eu diria que foi sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar e que eu mereço isso que está acontecendo em minha vida. Quando eu penso em um grande amor eu penso que em outros tempos eu diria que foi sorte, mas esse foi um sonho que lutei para conquistar e que eu mereço isso que está acontecendo em minha vida. Esse é um pensamento que me acompanha em poucos quilômetros durante a minha rotina. Porque a corrida chega ao fim e eu percebo que transpirei tão pouco. Não foi o suficiente. Ainda estou me afogando – socorro.

Eu chego em casa e primeiramente tomo pego meu celular, e como quem espera algo, olho as redes socias – que já são poucas porque desativei. É melhor se desconectar do que não se está pronto para enlaçar. Apenas consumo conteúdo digital. Afeto digital fica cada vez mais distante. No WhatsApp já não chegam mensagens perguntando como foi o meu dia ou se preciso de boias. Ninguém sabe mais de mim. Ninguém sabe o quanto corro, o quanto estudo, o quanto luto, o quanto choro. Não os culpo. É impossível dar um laço em um sapato que não está aos nossos pés. Os meus pés estão distantes e calejados. Segundamente, eu coloco alguma música. Essa foi a época em que mais converso com a música. Ela também não sabe nada de mim e mesmo assim me torno sua melhor ouvinte. Atenta as descobertas que no fim das contas fazem com que eu entenda um pouco mais sobre mim. Terceiramente, eu vou para o chuveiro. Lá eu me olho no espelho e me vejo cada vez menos. Meus olhos presos e encharcados em um corpo socialmente construído para a satisfação alheia. Cabelos alisado, descolorido, a busca incessante por uma magreza e o mais importante – pura insatisfação. Comecei cortando algumas pontas dos cabelos. Tomei coragem e cortei mais da metade do cabelo. No caminho do salão para minha casa fui a pé e senti o vento dançando nos meus cabelos – achei engraçado. A reação social eu senti na pele. Fomos projetados para fazer alguém feliz em alguma parte do mundo. Deixei que meu termômetro de beleza fosse uma rede social. Perdi metade das minhas curtidas e comentários. Descobri que só ficou bonito porque meu cabelo é pouco chateado, que muitas pessoas não teriam coragem, que meu cabelo era lindo antes. E cada vez eu me olhava, me sentia mais simples e mais eu. Era totalmente contraditório com o que o mundo me dizia. E quem está errado? Eu, lógico. Senti que eu era insuficiente, fraca e que nunca iria conseguir.  Um simples corte de cabelo me fez chorar e me afogar um pouco mais.

Tem dias que eu só quero chegar ao outro lado do continente. O problema é que eu nado, nado, nado e não saio de mim. Não tem como chegar a lugar nenhum quando o mar é dentro de si. Fora de mim eu não sei nadar. Preciso de barco e vela para navegar. E embora eu também seja mar, eu descobri que posso me afogar na imensidão. A ansiedade é a minha imensidão. Em uma palavra cabem tantas projeções de destino que me deixam estagnada, sentindo com a força da imensidão que eu sou insuficiente, que sou fraca e que não vou conseguir. Um substantivo consegue congestionar todas as minhas vias, minha nascente e minha foz.  Um substantivo tem ação em minha vida. Um sentimento é capaz de me obrigar a ler todos os dias bons motivos para seguir e não desistir. Eu não esperava escrever esse texto, eu não sabia nem que eu pensava isso. A única coisa que sei é que a linha é tênue entre a chuva e a cachoeira.

quarta-feira, janeiro 9

chá de coragem

entender o momento
de ancoragem
é achar coragem
na brevidade
que o tempo
se liquefaz


quarta-feira, janeiro 2

fragmentos sobre o tempo I

quanto tempo
cabe
no que já é
tarde?

terça-feira, janeiro 1

velho novo tempo

Faltavam 45 minutos para às 00h. Eu parei diante da porta e vi um fim de domingo, a tv estava ligada e todas  as luzes apagadas, o silencio era morada naquela casa. Ela olhava fixamente para a tv como se estivesse interessada em um filme de faroeste. Como se aquilo fosse algo que poderia acrescentar a essa altura da vida. Entrei e antes mesmo de apertar o interruptor uma luz acendeu e tinha tantas cores, tanto calor, tanto sentimento. Um sorriso veio em seguida dizendo "vocês chegaram!". As promessas de cheganças são rotineiras na vida de alguém que só espera - que não pode fazer nada além de esperar - a hora, um momento, uma conversa. De repente, o fim de domingo rapidamente se transformou em uma segunda-feira, véspera de dois mil e dezenove. As luzes da casa foram acesas e ouvi a primeira frase "o que eu quero é viver, minha filha" e, em seguida, todas as histórias que sempre ouvi. Só que dessa vez com um olhar diferente. Enquanto ela me falava, eu só pensava na fragilidade que o tempo traz. Vivemos na certeza que seremos fortes e maduros graças as experiencias que o tempo nos dá. Mas no fim das contas, o tempo nos trapaceia e quanto mais ele corre, mais nós perdemos as pernas. Tem coisa que impressiona, seja aos vinte e quatro ou aos noventa e seis anos, os encontros sempre são especiais. Mesmo sabendo o quão tênue é nosso reencontro, quando eu a vejo eu lembro do quanto a amo. Eu preciso ver para lembrar que sinto amor imenso. Sei que não deveria ser assim. E para minha sorte, tenho solução para meu problema: preciso encontrar mais, abraçar mais, viver mais e sem nenhuma hesitação - ouvir mais as histórias de como ela foi uma mulher muito a frente do seu tempo. Como em pleno 1925 enfrentou a tudo e a todos para ter seu direito de ser live. A independência sempre esteve atrelada a uma face de minha avó, e ninguém além dela sabe como é difícil aprender a se deixar cuidar. Esse é um abismo que enfrenta todos os dias e quando conta suas histórias se esquece por alguns minutos - onde só existe aquela Maria do Monte. A que andava de transporte livremente e tinha seu emprego em uma sociedade que as mulheres se quer trabalhavam. Que viajava dias em cima de um cavalo. Que teve seis filhos e investiu na educação de todos. Que adora a casa cheia de noras, netos e amigos.

Na véspera de dois mil e dezenove foi diferente - e ela sentiu isso. A casa não estava cheia. Não havia filhos, nem noras, nem netos. Não havia uma mesa farta e champanhe para embalar a festa. A primeira vez em vinte e quatro anos para mim. E para ela, talvez a primeira vez em mais de cinquenta anos. É cruel, mas o tempo tem a mania de apagar a gente. Nesse dia, ela lembrou até do memorável marido, que detestava todo tipo de festa. Embora todo ano houvesse confusão de ele pedir pra a comemoração acabar cedo, desligar o som deixando todo mundo emburrado, esse ano não teve se quer isso. E fez falta. Todo mundo fez falta pra ela. Quem gostava de festa e quem não gostava. Porque não foi ninguém para a festa que não teve. Todo mundo resolveu ficar com suas famílias na virada do ano. Mas esqueceram que ela também era família. 

Cinco para meia noite - literalmente. Chegou música, bebidas e um bolo lindo com enfeite de dois mil e dezenove. A festa iria começar. Que susto que tivemos. Eu e ela. O que tinha sido quarenta minutos intensos pensando em como o tempo nos massacra facilmente foi esquecido. Embora todo detalhe a deixe magoada, toda felicidade que recebe é, incrivelmente, potencializada. E aquela felicidade de ver os filhos chegando, a champanhe estourando, todo mundo se abraçando a fez esquecer de toda dor do abandono e só viver o aqui e o agora. Não é que o depois pode não chegar, é porque ele com certeza não vai chegar. 

O tempo escorre e ressignifica detalhes da vida. 
O que você acredita que era, já não é mais.

[Feliz 2019]

pulso no tempo

próximo dos olhos 
mas não se vê
passa correndo
parece o vento 

perde-se tempo 
na procura
de encontrar
o tempo

a gente não repara
mas ele não pára
e eu fico aqui
estagnada

domingo, dezembro 30

corrida perigosa

[reavaliando privilégios em 140 caracteres]

como é difícil ser mina

ter que correr
na luz do dia
      na multidão
de indivíduo
que mata 
      feminicídio
holofote sombreia 
a natureza
       selvajaria 

[calçar o tênis
na luz do dia
também é "deixa"]

o dicionário

privilégio é 
       substantivo 
                comum 
                     masculino
                    em vantagem
                tem direito
           é aforado
 patriarcado

serestar

como ser tudo
que sou
se ainda
nem sei
ser
o que um dia
serei

[pessoal] balanço de 2018

Comunicação. Juntando letras e formando sílabas Sem nexo, coerência ou referência. Como uma criança que aprende as primeiras palavras. A gente não entende bem o que se quer dizer e no fim, tudo fica explícito pelo olhar, pelo tato, pelo gesto. Doze meses se resumiram a quatro. Durante oito meses eu achei mesmo que entendia o que era viver, o que era ser, o que era sentir e o que era amar. E me bastaram 120 dias pra me mostrar que eu não sei nadar. Durante tanto tempo eu uni sílabas para falar sobre um mar sem significado. A cada monossílabo pronunciado, me voltava um verso decassílabo. Me cercando, aparando arestas e me invadindo. Estive presa por minha maior arma: a voz. O processo para reconhecer nosso timbre é intenso, cansativo e duvidoso. Porque para poder falar é preciso ouvir muito. Nem tudo que se ouve é verossímil. Nem tudo que se reproduz é de direito. Nem tudo que se pensa é opinião. Quatro meses na sala de aula que é a vida me encantaram no auge dos meus vinte e quatro. O que sou é o agora com a simples certeza que todo dia o sol nasce, todo dia tem uma oportunidade de ser voz, ouvido, afago, abraço. Não precisa ser a voz que a sociedade ecoa. Essa aula é sobre ser uma voz singular que ocupa um espaço coletivo. 

Voz que fala de amor, de perdão, de força, autocuidado e tantas coisas que são antagônicas ao que o barulho da cidade nos permite ouvir. 

É ser uma voz ativa até que esse som una a mão de duas nas ruas, nos becos, nos cafés. A voz não pode ser privilégio. É fisiologia humana ter visão da perspectiva de um futuro justo, audição para respeitar o local de fala, tato seguro com afeto, olfato para se sentir em casa e paladar para se lambuzar com o que se quer.


a voz dá medo 
mas é alternativa
em situação de perigo
tira da periferia e põe 
no centro
da vida 
[ os carros da cidade
dizem que tudo é
passageiro]

beijo de beijo

a tua pele tem relevo
é desejo

teus lábios de tão beijados
são encharcados

beijo de boca
beijo de mão
beijo de cheiro
 m o l h a d o