terça-feira, janeiro 1

velho novo tempo

Faltavam 45 minutos para às 00h. Eu parei diante da porta e vi um fim de domingo, a tv estava ligada e todas  as luzes apagadas, o silencio era morada naquela casa. Ela olhava fixamente para a tv como se estivesse interessada em um filme de faroeste. Como se aquilo fosse algo que poderia acrescentar a essa altura da vida. Entrei e antes mesmo de apertar o interruptor uma luz acendeu e tinha tantas cores, tanto calor, tanto sentimento. Um sorriso veio em seguida dizendo "vocês chegaram!". As promessas de cheganças são rotineiras na vida de alguém que só espera - que não pode fazer nada além de esperar - a hora, um momento, uma conversa. De repente, o fim de domingo rapidamente se transformou em uma segunda-feira, véspera de dois mil e dezenove. As luzes da casa foram acesas e ouvi a primeira frase "o que eu quero é viver, minha filha" e, em seguida, todas as histórias que sempre ouvi. Só que dessa vez com um olhar diferente. Enquanto ela me falava, eu só pensava na fragilidade que o tempo traz. Vivemos na certeza que seremos fortes e maduros graças as experiencias que o tempo nos dá. Mas no fim das contas, o tempo nos trapaceia e quanto mais ele corre, mais nós perdemos as pernas. Tem coisa que impressiona, seja aos vinte e quatro ou aos noventa e seis anos, os encontros sempre são especiais. Mesmo sabendo o quão tênue é nosso reencontro, quando eu a vejo eu lembro do quanto a amo. Eu preciso ver para lembrar que sinto amor imenso. Sei que não deveria ser assim. E para minha sorte, tenho solução para meu problema: preciso encontrar mais, abraçar mais, viver mais e sem nenhuma hesitação - ouvir mais as histórias de como ela foi uma mulher muito a frente do seu tempo. Como em pleno 1925 enfrentou a tudo e a todos para ter seu direito de ser live. A independência sempre esteve atrelada a uma face de minha avó, e ninguém além dela sabe como é difícil aprender a se deixar cuidar. Esse é um abismo que enfrenta todos os dias e quando conta suas histórias se esquece por alguns minutos - onde só existe aquela Maria do Monte. A que andava de transporte livremente e tinha seu emprego em uma sociedade que as mulheres se quer trabalhavam. Que viajava dias em cima de um cavalo. Que teve seis filhos e investiu na educação de todos. Que adora a casa cheia de noras, netos e amigos.

Na véspera de dois mil e dezenove foi diferente - e ela sentiu isso. A casa não estava cheia. Não havia filhos, nem noras, nem netos. Não havia uma mesa farta e champanhe para embalar a festa. A primeira vez em vinte e quatro anos para mim. E para ela, talvez a primeira vez em mais de cinquenta anos. É cruel, mas o tempo tem a mania de apagar a gente. Nesse dia, ela lembrou até do memorável marido, que detestava todo tipo de festa. Embora todo ano houvesse confusão de ele pedir pra a comemoração acabar cedo, desligar o som deixando todo mundo emburrado, esse ano não teve se quer isso. E fez falta. Todo mundo fez falta pra ela. Quem gostava de festa e quem não gostava. Porque não foi ninguém para a festa que não teve. Todo mundo resolveu ficar com suas famílias na virada do ano. Mas esqueceram que ela também era família. 

Cinco para meia noite - literalmente. Chegou música, bebidas e um bolo lindo com enfeite de dois mil e dezenove. A festa iria começar. Que susto que tivemos. Eu e ela. O que tinha sido quarenta minutos intensos pensando em como o tempo nos massacra facilmente foi esquecido. Embora todo detalhe a deixe magoada, toda felicidade que recebe é, incrivelmente, potencializada. E aquela felicidade de ver os filhos chegando, a champanhe estourando, todo mundo se abraçando a fez esquecer de toda dor do abandono e só viver o aqui e o agora. Não é que o depois pode não chegar, é porque ele com certeza não vai chegar. 

O tempo escorre e ressignifica detalhes da vida. 
O que você acredita que era, já não é mais.

[Feliz 2019]

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